O bom tesouro

O homem bom tira do tesouro bom coisas boas; mas o homem mau do mau tesouro tira coisas más. (Mateus 12.35)

Tenho uma referência ministerial que foi o meu avô. Homem íntegro, cheio de fé, exemplo de amor pelo Reino e honestidade. Onde pastoreou só deixou boas lembranças. Não me lembro dele sem um sorriso no rosto, mesmo na angústia buscava forças no Senhor e Deus o respondia.

Meu avô iniciou seu ministério pastoral numa época muito diferente da que vivemos hoje, eram tempos difíceis, as dificuldades financeiras eram enormes, às vezes faltava dinheiro até para a comida. Minha avó precisava improvisar com a horta que ela plantava no quintal para fazer comida para meu avô e seus nove filhos, ouvi histórias de que às vezes eles comiam canjica com taioba durante semanas porque não tinham outra coisa para comer. Faltavam obreiros, mas os poucos que tinham estavam ali porque amavam ao Senhor e não mediam esforços para, mesmo na dificuldade, pregar um evangelho coerente, consistente e sem alguns malabarismos teológicos que vemos hoje em dia tentado fazer o Reino crescer a qualquer preço.

Nesta época meu avô chegou a pastorear mais de oito igrejas diferentes ao mesmo tempo em cidades distantes. O único jeito de visitá-las era a cavalo, algumas igrejas eram tão longe uma da outra que o próprio cavalo não agüentava de cansaço e precisava ser deixado numa igreja ou na casa de um irmão descansando para meu avô pegar outro e seguir sua viagem visitando o campo missionário. Depois ele voltava destrocando os cavalos para ir para casa.

Eu adorava ouvir as histórias que meu avô contava sobre estas viagens, as dificuldades e experiências com Deus que ele tinha nas igrejas, nas visitas pastorais ou mesmo abrindo um novo ponto de pregação. Hoje o tomo como exemplo pra mim mesmo e tento não perder a visão do Reino que meu avô possuía. Ali estava realmente um pastor com pele de homem e hoje, no meio de tantos lobos com pele de pastor, entendo que precisamos fazer a diferença não através da pirotecnia cênica e manipuladora de ovelhas, mas através de um Evangelho transformador de vidas de verdade. Que confronta o pecado e exige uma mudança radical de vida. Onde o Espírito Santo tem total acesso não somente nas nossas emoções, mas também no nosso dia-a-dia, na forma como respondemos ao mundo que nos cerca, nos observa e pergunta: no que crês afinal?

Bom, esta foi apenas uma introdução para você entender o contexto da história que vem a seguir, o que desejo refletir e fazer você pensar mesmo é se temos encontrado e distribuído bons ou maus tesouros durante nossa caminhada diária.

Agora que você conhece um pouco da história do meu avô pastor, eu quero compartilhar uma das suas histórias. Certa vez, numa dessas visitas pelo campo missionário, meu avô estava passando a cavalo por um lugar muito ermo, uma fazenda, e sentiu sede. Naquela estrada de barro olhando para as montanhas verdes, alguns bois espalhados pelo pasto, ele via de longe uma casinha de pau-a-pique muito humilde e foi em direção a ela para pedir um pouco de água. Ao se aproximar da casa ele ouvia o barulho de uma grande discussão que vinha lá de dentro. Havia um casal brigando lá dentro. Mesmo assim, apesar da situação constrangedora meu avô decidiu continuar se aproximando da casa. Quando ele chegou à porta da casa, chamou por alguém que pudesse ouvi-lo lá de dentro. De repente a discussão cessou e depois de alguns segundos de silêncio a porta se abriu lentamente até que um homem muito desconcertado, tentando transmitir uma falsa sensação de que nada havia acontecido e de que estava tudo em paz e bem, perguntou: quem era e o que ele queria?

Bom, meu avô tinha um dom sobrenatural de conciliar as coisas, literalmente ele era o tipo de pessoa que de um limão faz uma limonada, e explicou que era pastor, estava visitando o campo missionário da igreja, viajando já há alguns dias, estava com sede e resolveu parar para pedir um pouco de água. Logo em seguida saiu de dentro da casa, junto com o marido, uma senhora de aparência muito humilde, também tentando se arrumar, enxugando e procurando disfarçar as lágrimas daquele rosto sofrido. Apesar do clima tenso no ar, eles se mostraram muito solícitos e prontamente convidaram meu avô para entrar, se sentar um pouco e tomar água. Mais do que isto a mulher logo preparou também um café e serviu uma broa de milho daquelas que ficam perfeitas com café fresquinho passado na hora e, para quem estava viajando há tanto tempo debaixo de um sol escaldante, não tinha como rejeitar aquela oferta. Era nítido que aquela broa era uma das poucas coisas que eles tinham para comer ou oferecer naquele dia.

Depois de um bom “dedo de prosa”, ao se despedir daquela casa meu avô pediu autorização para fazer uma oração por eles e disse:

— Vocês têm um grande tesouro nesta casa e não se deram conta disto ainda.

Os dois arregalaram os olhos, se entreolharam pensando que eles poderiam estar perdendo a oportunidade de mudar de vida, sair das dívidas, quem sabe até mudar para a cidade ou um lugar melhor que aquele fim-de-mundo e fizeram a inevitável pergunta:

— É mesmo pastor? Onde está? Vale muito dinheiro?

Meu avô apontou discretamente em direção à uma antiga bíblia com as páginas do salmo 91 amareladas de tanto tempo abertas naquele lugar, ficava em cima de um móvel do que poderia ser considerado a sala. Meu avô orou por aquele casal e se despediu.

Tempos depois ele voltava a andar por aquele lugar e resolveu visitar a bucólica casa. Desta vez o som que ouvia não era mais o da briga ou dos palavrões, mas de um cântico, uma melodia que lhe era familiar, dos cultos que dirigia, das igrejas onde pastoreava. Ele chegou novamente naquela casa e percebeu a grande mudança que acontecera ali. Parecia que o ambiente estava até mais limpo, melhor arrumado, mais arejado. O homem que veio atendê-lo estava nitidamente mais fortalecido, com semblante mais alegre e espontâneo. Logo meu avô ouviu uma saudação radiante que vinha lá de dentro da casa:

— PASTOR ADHERICO! Que bom o senhor aparecer por aqui novamente! O senhor tinha razão. Havia um tesouro escondido em nossa casa e não tínhamos percebido ainda.

O Evangelho é o bom tesouro, a boa nova, ele transforma de verdade, não precisa ser transformado, arranjado ou modificado para ser aceito em nossa sociedade hoje. Sua linguagem pode ser atualizada sim, mas nunca sua essência, ele não permite que se faça concessões ao pecado. Precisamos deixar o poder regenerador do Evangelho transformar nossas mentes, atitudes e palavras. Olhando para a trajetória de vida do meu avô e de tantos homens e mulheres de Deus, minha oração e desejo é ser impregnado destas boas novas de salvação a tal ponto de que minha presença seja confundida com a do Senhor onde eu estiver. O que acho mais fantástico na pessoa de Jesus é que ele não deixava de andar com pecadores ou de freqüentar os lugares mal vistos pelos religiosos de sua época. Jesus estava presente nas festas, algumas vezes foi acusado injustamente de ser fanfarrão, mas estava lá fazendo a diferença. O bom tesouro que Jesus tinha era o de não ser contaminado com o mundo ou o pecado, mas contagiá-lo com a graça de Deus.

Pense nisto hoje! Que tipo de tesouro seu coração proporciona aqueles que estão à sua volta? Permita que o Senhor lhe ensine a dar o melhor do seu coração nestes dias conhecendo o poder transformador da Palavra Viva, do Evangelho.

 

O Deus que nos dá o bom tesouro te abençoe rica, poderosa e sobrenaturalmente!

Bacharel em Teologia pelo UniBennett (Rio), Pablo Massolar é o editor e autor do Ovelha Magra. MBA em Gestão de Marketing, autor de livros e palestrante. Casado com Elaine, a menina mais linda do mundo, e o orgulhoso pai de Ana Clara e Sarah.